segunda-feira, outubro 18, 2010

CONDUTA CRISTÃ - 10. A ESPERANÇA

10. A ESPERANÇA
A esperança é uma das virtudes teológicas. Isso quer dizer que (ao contrário do que o homem moderno pen­sa) o anseio contínuo pelo mundo eterno não é uma forma de escapismo ou de auto-ilusão, mas uma das coi­sas que se espera do cristão. Não significa que se deve deixar o mundo presente tal como está. Se você estudar a história, verá que os cristãos que mais trabalharam por este mundo eram exatamente os que mais pensavam no outro mundo. Os apóstolos, que desencadearam a con­versão do Império Romano, os grandes homens que erigiram a Idade Média, os protestantes ingleses que abo­liram o tráfico de escravos - todos deixaram sua marca sobre a Terra precisamente porque suas mentes estavam ocupadas com o Paraíso. Foi quando os cristãos deixa­ram de pensar no outro mundo que se tornaram tão incompetentes neste aqui. Se você aspirar ao Céu, ga­nhará a Terra "de lambuja"; se aspirar à Terra, perderá ambos. Essa regra parece esquisita, mas pode-se obser­var algo semelhante em outros assuntos. A saúde é uma grande bênção, mas, no momento em que fazemos dela um dos nossos principais objetivos, nos tornamos hi­pocondríacos e passamos a imaginar que há algo de er­rado conosco. Só nos mantemos saudáveis na medida em que queremos outras coisas além da saúde: comida, jogos, trabalho, lazer, a vida ao ar livre. Do mesmo mo­do, nunca conseguiremos salvar a civilização enquanto for esse o nosso principal objetivo. Temos de aprender a querer outra coisa ainda mais do que queremos isso.
A maioria de nós acha muito difícil desejar o "Pa­raíso" - a não ser que por esse nome queiramos dizer o encontro com os amigos que já morreram. Uma das ra­zões dessa dificuldade é que não tivemos uma boa forma­ção: toda a educação atual tende a fixar nossa atenção neste mundo. Outra razão é que, quando o verdadeiro anseio pelo Paraíso está presente em nós, não o reconhe­cemos. A maior parte das pessoas, se tivesse aprendido a examinar profundamente seus corações, saberia que querem, e querem com veemência, algo que não pode ser alcançado neste mundo. Existem aqui coisas prazerosas de todo tipo que nos prometem isso que queremos, mas que nunca cumprem o prometido. Aquele anseio que nasce em nós quando nos apaixonamos pela primei­ra vez, quando pela primeira vez pensamos numa terra estrangeira, quando começamos a estudar um assunto que nos entusiasma, é um anseio que nenhum casamen­to, viagem ou estudo pode realmente satisfazer. Não es­tou falando aqui do que costumam chamar de casa­mentos infelizes, férias frustradas e carreiras fracassadas, mas sim das melhores possibilidades em cada um des­ses campos. Havia algo que vislumbramos no primeiro instante de encantamento e que simplesmente desapa­rece quando o anseio se torna realidade. Acho que todos sabem do que estou falando. A esposa pode ser uma boa esposa, os hotéis e a paisagem podem ter sido excelen­tes, e talvez a Química seja uma bela profissão: algo, po­rém, nos escapou. Ora, existem duas maneiras erradas, e uma certa, de lidar com esse fato.
(1) A Via do Tolo —
Ele põe a culpa nas próprias coisas. Passa a vida toda a conjectutar que, se arranjasse outra mulher, fizesse uma viagem mais cara, ou seja lá o que for, conseguiria dessa vez capturar essa coisa mis­teriosa que todos nós procuramos. A maior parte dos ri­cos entediados e descontentes do nosso mundo são des­se tipo. Eles passam a vida toda pulando de uma mulher para outra (com a ajuda dos tribunais), de continente para continente, de passatempo para passatempo, sempre na esperança de que o último será, enfim, "a coisa certa", e sempre decepcionados.
(2) A Via do "Homem Sensato" Desiludido - Logo ele conclui que tudo não passava de conversa fiada. "E bem verdade", diz ele, "que, quando é jovem, a pessoa se sente assim. Quando chega à minha idade, porém, você desiste de buscar o fim do arco-íris." Então, ele se acomoda, aprende a não esperar muito da vida e repri­me a parte de si mesmo que, nas suas palavras, costuma­va "uivar para a lua". Essa é, sem dúvida, uma via bem melhor que a primeira; torna o homem mais feliz e não faz dele um problema para a sociedade. Tende a torná-lo um chato (sempre pronto a se achar superior diante dos que julga "adolescentes"), mas, de maneira geral, faz com que ele leve uma vida sem grandes sobressaltos. Seria a melhor opção se o homem não tivesse uma vida eter­na. Mas suponha que a felicidade infinita realmente exis­ta e esteja logo ali, à nossa espera. Suponha que real­mente seja possível alcançar o fim do arco-íris — nesse caso, seria uma pena descobrir tarde demais (imediata­mente após a morte) que, por causa do nosso suposto "bom senso", sufocamos em nós mesmos a faculdade de gozar dessa felicidade.
(3) A Via Cristã - Dizem os cristãos: "As criaturas não nascem com desejos que não podem ser satisfeitos. Um bebê sente fome: bem, existe o alimento. Um pati­nho gosta de nadar: existe a água. O homem sente o de­sejo sexual: existe o sexo. Se descubro em mim um dese­jo que nenhuma experiência deste mundo pode satis­fazer, a explicação mais provável é que fui criado para um outro mundo. Se nenhum dos prazeres terrenos satis­faz esse desejo, isso não prova que o universo é uma tre­menda enganação. Provavelmente, esses prazeres não existem para satisfazer esse desejo, mas só para desper­tá-lo e sugerir a verdadeira satisfação. Se assim for, tenho de tomar cuidado, por um lado, para nunca desprezar as bênçãos terrenas nem deixar de ser grato por elas; por outro, para nunca tomá-las pelo 'algo a mais' do qual são apenas a cópia, o eco ou a miragem, Tenho de man­ter viva em mim a chama do desejo pela minha verda­deira terra natal, a qual só encontrarei depois da morte; e jamais permitir que ela seja arrasada ou caia no esque­cimento. Tenho de fazer com que o principal objetivo de minha vida seja buscar essa terra e ajudar as outras pessoas a buscá-la também."
Não devemos nos preocupar com os irônicos que tentam ridicularizar a esperança cristã do "Paraíso" di­zendo que "não querem passar a eternidade tocando har­pa". A resposta que devemos dar a essas pessoas é que, se elas não entendem os livros que são escritos para adultos, não devem palpitar sobre eles. Todas as imagens das Escrituras (as harpas, as coroas, o ouro etc.) são, ob­viamente, uma tentativa simbólica de expressar o inexprimível. Os instrumentos musicais são mencionados porque, para muita gente (não todos), a música é o ob­jeto conhecido nesta vida que mais fortemente sugere o êxtase e a infinitude. A coroa é mencionada para nos dar a entender que todo aquele que estiver reunido com Deus na eternidade tem parte no seu esplendor, no seu poder e na sua alegria. O ouro é citado para nos dar a idéia da eternidade do Paraíso (o ouro não enferruja) e também da sua preciosidade. As pessoas que entendem esses sím­bolos literalmente poderiam também pensar que, quan­do Cristo nos exortou a ser como as pombas, quis dizer que deveríamos botar ovos.
C.S.LEWIS

domingo, outubro 10, 2010

O fenômeno eleitoral na igreja!

Quando chega a época de eleições parece haver um verdadeiro despertar no chamado "meio evangélico", alardes de candidatos que são a favor das uniões "homossexuais", de aborto, de liberação da maconha ... e por aí adiante chovem via internet e mídia em geral. De repente, todo mundo parece estar preocupado com o futuro da "liberdade religiosa no Brasil", com a influência e avanço nos bastidores de uma possível ditadura (seja ela cubana ... soviética .... venezuelana ... e mais provavelmente a chinesa mesmo), vemos os "grandes homens de deus" (de propósito, minúsculo) chamando a atenção do povo, o desespero toma conta de muitos ...
É engraçado, será que a preocupação destes é mesmo o evangelho, a pureza do mesmo? Ou será que a falta de escrúpulos para tomar dinheiro do povo, para viver uma vida no pecado, para continuarem se escondendo atrás de um suposto evangelho é a verdadeira e única preocupação? Quanto aos santinhos dentro das igrejas, não são os mesmos que elevam a audiência de programas diabólicos e demoníacos como os "big-brothers" da vida ... as fazendas da vida .... e outros iguais, carregados de imoralidade e incentivo ao homossexualismo descarado e coisas ainda piores ....? O que dizer então da quantidade de crentes que não frequentam a igreja durante a semana para ficarem ligados nas novelas imundas e podres divulgadas em todas as emissoras de TV (até aquela, é aquela mesmo - talvez a pior de todas)? É muito engraçado, parece a mim que o medo é de perder certas regalias que o diabo plantou no coração de uma igreja com a cara de Laodicéia (Apoc. 3:14), de perder a chance de viver um evangelho do homem e não o de servo verdadeiro .... aquele que O Mestre nos ensinou! Qual será a nossa verdadeira preocupação? Não, eu não quero um futuro de perseguição à igreja de Jesus, aos meus filhos por exemplo, que estão ainda caminhando na fé cristã, não sou um idiota, mas a perseguição já está aí há muito tempo, os verdadeiros cristãos são perseguidos pelos próprios cristãos (os falsos - infiltrados dentro das igrejas) e olha que são muitos os que já abdicaram da fé autêntica por uma de facilidades e elevação do homem (os apóstolos ... os patriarcas .... os bispos .... e outros lixos auto-denominados hoje em dia que para nada servem a não ser deturpar o evangelho verdadeiro)!
Meu amigo, se você está seguro com Jesus, não há o que temer, pois você não depende de homem algum - presidente, governador ou outro lider qualquer, sua dependência única cabe Ao Senhor! Avivamento verdadeiro é choro e arrependimento de pecados, no altar do Senhor, este é o que nos falta!
Pr. Omar Bianchi - Igreja Batista Renovada Água da Vida - sede - São Paulo !

sexta-feira, outubro 08, 2010

CONDUTA CRISTÃ - 9. A CARIDADE

9. A CARIDADE
Eu disse num capítulo anterior que existem quatro virtudes "cardeais" e três "teológicas". As virtudes teoló­gicas são a fé, a esperança e a caridade. Trataremos da fé nos últimos dois capítulos. A caridade foi exposta par­cialmente no Capítulo 7, em que tratei sobretudo daquela parte dela que se chama perdão. Quero acrescentar ago­ra mais algumas palavras.
Em primeiro lugar, quanto ao significado da palavra. "Caridade" hoje significa simplesmente o que antes se chamava "esmola" — ou seja, o que damos para os po­bres. Originalmente, seu significado era muito mais am­plo. (Você vai entender por que ela ganhou essa acepção moderna: se uma pessoa é "caridosa", dar esmolas aos pobres é uma das coisas mais óbvias que ela faz, e, assim, as pessoas passaram a dar a esse ato o nome da própria virtude. A mesma coisa aconteceu com a poesia, cuja expressão mais óbvia é a rima. Ora, para a maioria das pessoas, hoje, a "rima" é a própria poesia.) A caridade sig­nifica "amor no sentido cristão". Mas o amor no sentido cristão não é uma emoção. Não é um estado do senti­mento, mas da vontade: aquele estado da vontade que temos naturalmente com a nossa pessoa, mas devemos aprender a ter com as outras pessoas.
No capítulo sobre o perdão, observei que o amor que temos por nós mesmos não implica simpatia por nós mesmos. Significa que queremos nosso próprio bem. Do mesmo modo, o amor cristão (ou caridade) em re­lação ao próximo é bem diferente da afinidade ou da afeição. Nós temos "afinidade" ou "afeição" em relação a algumas pessoas, mas não a outras. E importante en­tender que essa "afinidade" ou "gosto" não é nem um pe­cado nem uma virtude, como tampouco o são nossas preferências pessoais de alimentação. É somente um fato. É claro, porém, que nossas atitudes em relação a esses gostos podem ser pecaminosas ou virtuosas.
A afeição natural pelas pessoas torna mais fácil a "ca­ridade" com elas. Por isso, normalmente temos o dever de estimular nossas afeições — de gostar dos outros tan­to quanto pudermos (da mesma maneira que, em geral, temos o dever de estimular em nós o gosto pelo exercí­cio físico ou por alimentos saudáveis) - não por ser em si esse gostar a virtude da caridade, mas por nos ajudar a alcançar esse fim. Por outro lado, é necessário tomar muitíssimo cuidado para que nosso afeto por alguém não nos torne pouco caridosos, ou até mesmo injustos, com outra pessoa. Existem inclusive casos em que nos­sas escolhas afetivas entram em conflito com a caridade em relação à própria pessoa de quem gostamos. Uma mãe extremosa, por exemplo, por causa de sua afeição na­tural, pode ser tentada a "mimar" o filho; ou seja, a dar vazão a seus impulsos afetivos à custa da verdadeira fe­licidade da criança mais tarde.
Normalmente, a afeição natural deve ser encorajada. No entanto, seria um erro pensar que o caminho para se obter a caridade consiste em sentar-se e tentar fabri­car bons sentimentos. Certas pessoas são "frias" por temperamento; isso pode ser um azar para elas, mas é tão pecaminoso quanto ter problemas de digestão — ou seja, não é pecado. Isso não lhes tira a oportunidade nem as exime do dever de aprender a caridade. A regra co­mum a todos nós é perfeitamente simples. Não perca tempo perguntando-se se você "ama" o próximo ou não; aja como se amasse. Assim que colocamos isso em prá­tica, descobrimos um dos maiores segredos. Quando você se comporta como se tivesse amor por alguém, logo começa a gostar dessa pessoa. Quando faz mal a alguém de quem não gosta, passa a desgostar ainda mais dessa pes­soa. Já se, por outro lado, lhe fizer um bem, verá que a aversão diminui. Existe, porém, uma exceção a essa re­gra. Se você lhe fizer um bem, não para agradar a Deus e obedecer à lei da caridade, mas para lhe mostrar como você é uma pessoa capaz de perdoar, para lhe deixar em dívida e para sentar-se à espera de manifestações de "gratidão", provavelmente vai decepcionar-se. (As pes­soas não são bobas: elas têm um olho clínico para to­das as formas de exibicionismo ou condescendência pa­ternalista.) Sempre, porém, que fizermos o bem ao pró­ximo por ser ele um "eu" igual a nós, criado por Deus, que deseja sua própria felicidade como nós desejamos a nossa, teremos aprendido a amá-lo um pouco mais ou, no mínimo, a desgostar dele um pouco menos.
Conseqüentemente, apesar de a caridade cristã pa­recer fria para as pessoas cujas cabeças estão cheias de sentimentalismo, e apesar de ser bem diferente da afeição, ela nos conduz a este sentimento. A diferença entre um cristão e um ímpio não é que este tem afeições e gos­tos pessoais ao passo que o cristão só tem a "caridade". O ímpio trata bem certas pessoas porque "gosta" delas; o cristão, tentando tratar a todos com bondade, tende a gostar de um número cada vez maior de pessoas no decorrer do tempo — inclusive de pessoas de quem ele não poderia imaginar que um dia fosse gostar.
A mesma lei espiritual funciona de maneira terrí­vel no sentido oposto. Pode ser que os alemães, de início, maltratassem os judeus porque os odiassem; depois, passaram a odiá-los ainda mais por tê-los maltratado. Quanto mais cruel você é, mais ódio você terá; quanto mais ódio tiver, mais cruel será - e assim para sempre, num círculo vicioso perpétuo.
O Bem e o Mal aumentam ambos à velocidade dos juros compostos. E por isso que as pequenas decisões que eu ou você tomamos todos os dias têm tanta im­portância. O menor gesto de bondade feito hoje garante a conquista de um ponto estratégico a partir do qual, em alguns meses, você poderá alcançar vitórias nunca sonhadas. Já uma concessão aparentemente trivial à luxúria ou à ira significa a perda de uma colina, de uma li­nha férrea ou de uma cabeça de ponte a partir das quais o inimigo poderá lançar um ataque que, de outro modo, seria inviável.
Alguns escritores usam a palavra "caridade" para de­signar não somente o amor cristão entre seres humanos, mas também o amor de Deus pelo homem e o amor do homem por Deus. As pessoas costumam preocupar-se mais com este último. Ouviram dizer que devem amar a Deus, mas elas não encontram esse amor dentro de si. O que devem fazer? A resposta é a mesma de antes. Aja como se você amasse. Não fique sentado tentando fabricar esse sentimento. Pergunte a si mesmo: "Se es­tivesse certo de que amasse a Deus, o que eu faria?" Quando encontrar a resposta, vá e faça.
No geral, o amor de Deus por nós é um tema mui­to mais seguro que o nosso amor por ele. Ninguém con­segue ter sempre o sentimento de devoção: e, mesmo que conseguisse, não são os sentimentos que mais im­portam a Deus. O amor cristão, seja para com Deus, seja para com os homens, é um assunto da vontade. Se nos esforçamos para obedecer à sua vontade, estamos cum­prindo o mandamento "Amarás o Senhor teu Deus". Ele nos dará o sentimento do amor se assim desejar. Não podemos criá-lo por nós mesmos nem podemos exigi-lo como se fosse um direito nosso. Porém, a grande coisa a se lembrar é que, apesar de nossos sentimentos irem e virem, o amor dele por nós não se altera. Não se des­gasta por causa dos nossos pecados nem por nossa in­diferença. Logo, é inflexível em sua determinação de que seremos curados desses pecados custe o que custar, seja para nós, seja para ele.
C.S.LEWIS

sexta-feira, outubro 01, 2010

CONDUTA CRISTÃ - 8. O GRANDE PECADO



8. O GRANDE PECADO
Chego agora à parte em que a moral cristã difere mais nitidamente de todas as outras morais. Existe um ví­cio do qual homem algum está livre, que causa repug­nância quando é notado nos outros, mas do qual, com a exceção dos cristãos, ninguém se acha culpado. Já ouvi quem admitisse ser mau humorado, ou não ser capaz de resistir a um rabo de saia ou à bebida, ou mesmo ser covarde. Mas acho que nunca ouvi um não-cristão se acusar desse vício. Ao mesmo tempo, é raríssimo encon­trar um não-cristão que tenha alguma tolerância com esse vício nas outras pessoas. Não existe nenhum outro defeito que torne alguém tão impopular, e mesmo as­sim não existe defeito mais difícil de ser detectado em nós mesmos. Quanto mais o temos, menos gostamos de vê-lo nos outros.
O vício de que estou falando é o orgulho ou a pre­sunção. A virtude oposta a ele, na moral cristã, é cha­mada de humildade. Você deve se lembrar de que, quan­do falávamos sobre a moralidade sexual, adverti que não era ela o centro da moral cristã. Bem, agora chegamos ao centro. De acordo com os mestres cristãos, o vício fun­damental, o mal supremo, é o orgulho. A devassidão, a ira, a cobiça, a embriaguez e tudo o mais não passam de ninharias comparadas com ele. É por causa do orgulho que o diabo se tornou o que é. O orgulho leva a todos os outros vícios; é o estado mental mais oposto a Deus que existe.
Parece que estou exagerando? Se você acha que sim, pense um pouco mais no assunto. Agora há pouco, ob­servei que, quanto mais orgulho uma pessoa tem, me­nos gosta de vê-lo nos outros. Se quer descobrir quão orgulhoso você é, a maneira mais fácil é perguntar-se: "Quanto me desagrada que os outros me tratem como inferior, ou não notem minha presença, ou interfiram nos meus negócios, ou me tratem com condescendência, ou se exibam na minha frente?" A questão é que o or­gulho de cada um está em competição direta com o orgu­lho de todos os outros. Se me sinto incomodado por­que outra pessoa fez mais sucesso na festa, é porque eu mesmo queria ser o grande sucesso. Dois bicudos não se beijam. O que quero deixar claro é que o orgulho é es­sencialmente competitivo — por sua própria natureza -, ao passo que os outros vícios só o são acidentalmente, por assim dizer. O prazer do orgulho não está em se ter algo, mas somente em se ter mais que a pessoa ao lado. Dizemos que uma pessoa é orgulhosa por ser rica, inte­ligente ou bonita, mas isso não é verdade. As pessoas são orgulhosas por serem mais ricas, mais inteligentes e mais bonitas que as outras. Se todos fossem igualmente ri­cos, inteligentes e bonitos, não haveria do que se orgu­lhar. É a comparação que torna uma pessoa orgulhosa: o prazer de estar acima do restante dos seres. Eliminado o elemento de competição, o orgulho se vai. E por isso que eu disse que o orgulho ê essencialmente competitivo de uma forma que os outros vícios não são. O impulso sexual pode levar dois homens a competir se ambos es­tão interessados na mesma moça. Mas a competição ali é acidental; eles poderiam, com a mesma facilidade, ter se interessado por moças diferentes. Um homem orgu­lhoso, porém, fará questão de tomar a sua garota, não por desejá-la, mas para provar para si mesmo que é me­lhor do que você. A cobiça pode levar os homens a com­petir entre si se não existe o suficiente para todos; mas o homem orgulhoso, mesmo que tenha mais do que ja­mais poderia precisar, vai tentar acumular mais ainda só para afirmar seu poder. Praticamente todos os males no mundo que as pessoas julgam ser causados pela cobi­ça ou pelo egoísmo são bem mais o resultado do orgulho. Veja a questão do dinheiro. A cobiça pode fazer com que o homem deseje ganhar dinheiro para comprar uma casa melhor, poder viajar nas férias e ter coisas mais apetitosas para comer e beber. Mas só até certo ponto. O que faz com que um homem que ganha 10.000 li­bras por ano fique ansioso para ganhar 20.000 libras? Não é a cobiça de mais prazer. A soma de 10.000 libras pode sustentar todos os luxos de que ele queira desfrutar. É o orgulho — o desejo de ser mais rico que os outros ricos e, mais do que isso, o desejo de poder. Pois, evi­dentemente, é do poder que o orgulho realmente gos­ta: nada faz o homem sentir-se tão superior aos outros quanto o fato de poder movê-los como soldadinhos de brinquedo. Por que uma moça bonita à caça de admi­radores espalha a infelicidade por onde quer que vá? Cer­tamente não é por causa de seu instinto sexual: esse tipo de moça é quase sempre sexualmente frígida. É o orgulho. O que faz um líder político ou uma nação inteira quererem expandir-se indefinidamente, exigindo tudo para si? De novo, o orgulho. Ele é competitivo pela pró­pria natureza: é por isso que se expande indefinidamen­te. Se sou um homem orgulhoso, enquanto existir al­guém mais poderoso do que eu, ou mais rico, ou mais es­perto, esse será meu rival e meu inimigo.
Os cristãos estão com a razão: o orgulho é a causa principal da infelicidade em todas as nações e em todas as famílias desde que o mundo foi criado. Os outros ví­cios podem, às vezes, até mesmo congregar as pessoas: pode haver uma boa camaradagem, risos e piadas entre gente bêbada ou entre devassos. O orgulho, porém, sem­pre significa a inimizade - é a inimizade. E não só ini­mizade entre os homens, mas também entre o homem e Deus.
Em Deus defrontamos com algo que é, em todos os aspectos, infinitamente superior a nós. Se você não sabe que Deus é assim — e que, portanto, você não é nada comparado a ele -, não sabe absolutamente nada sobre Deus. O homem orgulhoso sempre olha de cima para baixo para as outras pessoas e coisas: é claro que, fazen­do assim, não pode enxergar o que está acima de si.
Isso levanta uma questão terrível. Como podem exis­tir pessoas evidentemente cheias de orgulho que decla­ram acreditar em Deus e se consideram muitíssimo reli­giosas? Infelizmente, elas adoram um Deus imaginário. Na teoria, admitem que não são nada comparadas a esse Deus fantasma, mas na prática passam o tempo todo a imaginar o quanto ele as aprova e as tem em melhor con­ta que ao resto dos comuns mortais. Ou seja, pagam al­guns tostões de humildade imaginária para receber uma fortuna de orgulho em relação a seus semelhantes. Suponho que é a esse tipo de gente que Cristo se referia quando dizia que pregariam e expulsariam os demônios em seu nome, mas no final ouviriam dele que jamais os conhecera. Cada um de nós, a todo momento, vê-se diante dessa armadilha mortal. Felizmente, temos como saber se caímos nela ou não. Sempre que constatamos que nossa vida religiosa nos faz pensar que somos bons — sobretudo, que somos melhores que os outros —, po­demos ter certeza de que estamos agindo como mario­netes, não de Deus, mas do diabo. A verdadeira prova de que estamos na presença de Deus é que nos esque­cemos completamente de nós mesmos ou então nos ve­mos como objetos pequenos e sujos. O melhor é esque­cer-nos de nós mesmos.
É uma coisa terrível que o pior de todos os vícios insinue-se assim no próprio centro de nossa vida religio­sa. Mas é fácil saber por que isso acontece. Todos os vícios menores vêm do diabo quando trabalha sobre o nosso lado animal. Este vício, porém, não nasce em absoluto da nossa natureza animal. Vem diretamente do infer­no. E puramente espiritual: conseqüentemente, muito mais sutil e perigoso. Pela mesma razão, o orgulho é usa­do com freqüência para vencer os vícios mais simples. Os professores, que sabem disso, apelam costumeiramente para o orgulho dos meninos, ou, como dizem, para seu amor-próprio, a fim de fazê-los comportar-se direito. Mais de um homem conseguiu superar a covar­dia, a luxúria ou o mau humor pela crença inculcada de que tudo isso estava abaixo da sua dignidade. Ou seja, venceram pelo orgulho. O diabo ri às gargalhadas. Fica satisfeitíssimo de nos ver castos, corajosos e controla­dos desde que, em troca, prepare para nós uma Dita­dura do Orgulho. Do mesmo modo, ele ficaria contente de curar as frieiras dos nossos pés se pudesse, em troca, nos deixar com câncer. O orgulho é um câncer espiri­tual: ele corrói a possibilidade mesma do amor, do con­tentamento e até do bom senso.
Antes de sair deste assunto, é bom me resguardar de certos mal-entendidos:
(1) O prazer do elogio não é orgulho. A criança que recebe um tapinha nas costas por fazer bem o dever de casa, a mulher cuja beleza é elogiada pelo marido, a alma salva para quem Cristo diz "Muito bem": todos ficam contentes, e têm todo o direito de ficar. Em cada uma dessas situações, as pessoas não se comprazem naquilo que são, mas no fato de terem agradado a alguém que (pelos motivos corretos) queriam agradar. O problema começa quando você deixa de pensar "Eu o agradei: tudo está bem", e substitui esse pensamento por outro: "Eu sou mesmo uma pessoa magnífica por ter feito isso." Quanto mais você se compraz em si mesmo e menos no elogio, pior você fica. Quando todo o seu deleite vem de você mesmo e você não se importa mais com o elogio, chegou ao fundo do poço. É por isso que a vaidade, em­bora seja o tipo de orgulho mais visível no exterior, é também o menos grave e mais facilmente perdoável. A pessoa vaidosa deseja demais o elogio, o aplauso, a ad­miração, e está sempre em busca dessas coisas. É um de­feito - mas é um defeito quase infantil e (estranhamen­te) bastante modesto. Demonstra que a pessoa não está inteiramente satisfeita com a admiração que nutre por si mesma. Levando em conta a opinião alheia, ela mos­tra que ainda valoriza um pouco as outras pessoas. Em resumo, ela ainda é humana. O orgulho diabólico nas­ce quando desprezamos tanto os outros que não mais le­vamos em consideração o que pensam de nós. Eviden­temente, é corretíssimo, e às vezes é nosso dever, não nos importar com a opinião dos outros, mas sempre pelo motivo correto, ou seja, porque nos importamos infi­nitamente mais com a opinião de Deus. Já o homem orgulhoso tem um motivo diferente para não se impor­tar. Ele pensa: "Por que devo me importar com o aplau­so da plebe se a opinião dela não vale nada? Mesmo se valesse, não sou de ficar corado por causa de um cumpri­mento como se fosse uma mocinha em seu primeiro baile. Não; sou dono de uma personalidade adulta e integrada. Tudo o que fiz foi para satisfazer meus pró­prios ideais - ou minha consciência artística — ou minha tradição familiar - ou, resumindo, porque Eu Sou O Tal. Se a turba gosta ou não, o problema é dela. Ela não vale nada para mim." Dessa maneira, o orgulho plena­mente desenvolvido pode até coibir a vaidade; como eu disse agora há pouco, o diabo adora "curar" um de­feito menor com um maior. Devemos nos esforçar para não sermos vaidosos, mas não devemos jamais nos valer do orgulho para curar a vaidade.
(2) Dizemos, em inglês [ou em português], que um homem tem "orgulho" de seu filho, de seu pai, de sua escola, de seu regimento. Podemos nos perguntar se, nes­se caso, o "orgulho" é um pecado. Acho que isso depende do que queremos dizer com "ter orgulho de algo". Com muita freqüência, essa expressão significa "ter uma calo­rosa admiração por algo ou alguém". Tal admiração, evi­dentemente, está bem distante do pecado. Mas talvez sig­nifique que a pessoa "empine o nariz" por ter um pai ilus­tre ou pertencer a um regimento famoso. Isso com certe­za é um defeito; mesmo nesse caso, entretanto, é melhor isso que ter orgulho de si mesmo. Amar e admirar algo exterior a nós mesmos é um passo para longe da ruína espiritual, desde que esse amor e admiração não sobre­pujem o que sentimos por Deus.
(3) Não devemos julgar que Deus proibiu o orgu­lho porque ele o ofende, ou que a humildade nos foi prescrita por causa de sua dignidade — como se o próprio Deus fosse orgulhoso. Ele não está nem um pouco preocupado com sua dignidade. A questão é simples: ele quer que nós o conheçamos, quer se doar para nós. O ser humano e ele são feitos de tal modo que, no mo­mento em que efetivamente entramos em contato com ele, nos sentimos de fato humildes: deliciosamente hu­mildes, aliviados de uma vez por todas do fardo das fal­sas crenças sobre nossa dignidade, que só serviam para nos deixar desassossegados e infelizes. Deus tenta nos tornar humildes para que esse momento seja possível: o momento de lançarmos fora a tola e horrenda fantasia com que nos adornamos e que nos entravava os movi­mentos, enquanto a exibíamos por aí feito idiotas. Gos­taria de ter mais experiência da humildade. Assim, pro­vavelmente poderia falar mais sobre o alívio e o consolo de despir essa fantasia - de lançar fora esse falso eu, com todos os seus "Olhem para mim" e "Eu sou um bom menino, não sou?", todas as suas poses e falsas postu­ras. O mero fato de estar próximo disso, ainda que por um breve momento, é tão reconfortante quanto um gole de água fresca no deserto.
(4) Não pense que, se você conhecer um homem verdadeiramente humilde, ele será o que as pessoas cha­mam de "humilde" hoje em dia: não será nem uma pes­soa submissa ou bajuladora, que vive lhe dizendo que não é nada. Provavelmente, o que você vai pensar dele é que se trata de um camarada animado e inteligente, que realmente se interessou pelo que você tinha a lhe di­zer. Se você não simpatizar com ele, será porque sente um pouco de inveja de alguém que parece contentar-se tão facilmente com a vida. Ele não estará pensando so­bre a humildade; não estará pensando em si mesmo de modo algum.
Se alguém quer adquirir a humildade, creio poder dizer-lhe qual é o primeiro passo: é reconhecer o pró­prio orgulho. Aliás, é um grande passo. O mínimo que se pode dizer é que, se ele não for dado, nada mais po­derá ser feito. Se você acha que não é presunçoso, isso sig­nifica que você é presunçoso demais.
C.S.LEWIS