sábado, setembro 04, 2010

CONDUTA CRISTÃ - 1. AS TRÊS PARTES DA MORAL

Graça e paz a todos!
Passaremos a postar uma série de reflexões de C.S.Lewis sobre a Conduta Cristã, extraidas do Livro "Cristianismo puro e simples".
Serão doze artigos que certamente edificarão a todos que os lerem, por essa razão, não apenas leia, mas procure extrair deles toda a sua essencia moral, pois eles nos ajudarão não apenas a sermos melhores cristãos, mas serão fortes aliados em nosso relacionamento com todos que nos cercam.
Boa leitura.
Antonio Carlos, aprendiz de servo.
CONDUTA CRISTÃ

1. AS TRÊS PARTES DA MORAL
Conta-se a história de um garoto a quem pergunta­ram como achava que Deus era. O garoto respondeu que, pelo que era capaz de compreender, Deus era "o tipo de pessoa que está sempre xeretando a vida dos outros para ver se alguém está se dNegritoivertindo e tentar acabar com isso". Infelizmente, parece-me que é essa a idéia que um número considerável de pessoas faz da palavra "Moral": algo que se intromete em nossa vida e nos impede de ter momentos agradáveis. Na realidade, as regras morais são como que instruções de uso da máquina chamada Homem. Toda regra moral existe para prevenir o colap­so, a sobrecarga ou uma falha de funcionamento da má­quina. E por isso que essas regras, no começo, parecem estar em constante conflito com nossas inclinações na­turais. Quando estamos aprendendo a usar qualquer me­canismo, o instrutor vive dizendo "Não, não faça isso", porque existem diversas coisas que, embora pareçam muito naturais e até acertadas na forma de lidar com a máquina, na verdade não funcionam.
Certas pessoas preferem falar de "ideais" morais em vez de regras morais, e de "idealismo" moral em vez de obediência. Ora, é certo que a perfeição moral é um "ideal", na medida em que é inalcançável. Nesse senti­do, toda perfeição é, para nós, seres humanos, um ideal. Não conseguimos dirigir perfeitamente um automóvel, jogar tênis perfeitamente ou desenhar uma linha per­feitamente reta. Num outro sentido, porém, é enganador dizer que a perfeição moral é um ideal. Quando um ho­mem diz que certa mulher, casa, barco ou jardim é "seu ideal", não pretende (a menos que seja um tolo) que to­dos tenham o mesmo ideal. Nesses assuntos, temos o di­reito de ter gostos diferentes e, conseqüentemente, ideais diferentes. E perigoso, porém, dizer que um homem que se esforça para seguir a lei moral seja um homem de "altos ideais", pois isso pode nos dar a impressão de que a perfeição moral é um mero gosto pessoal dele e que o restante dos homens não teria o dever de procurar rea­lizá-la. Esse erro seria desastroso. A conduta perfeita tal­vez seja tão inalcançável quanto a perfeita perícia ao volante, mas é um ideal necessário prescrito a todos os ho­mens por causa da própria natureza da máquina huma­na, da mesma forma que a pilotagem perfeita é prescrita a todos os motoristas pela própria natureza dos auto­móveis. E seria ainda mais perigoso se você se conside­rasse uma pessoa de "altos ideais" só porque tenta não mentir (em vez de só contar mentirinhas ocasionais), não cometer adultério (em vez de só cometê-lo de vez em quando) e não ser violento com os outros (em vez de ser só um pouquinho violento). Você correria o ris­co de transformar-se num moralista hipócrita, conside­rando-se uma pessoa especial a ser felicitada por seu "idealismo". Na verdade, isso seria o mesmo que se julgar especial por esforçar-se para acertar o resultado de uma soma. É claro que a aritmética perfeita é um "ideal", pois certamente cometeremos erros em algumas con­tas. Porém, não há nada de especialmente louvável em tentar obter o resultado correto de cada passo de uma soma. Seria pura estupidez não fazer essa tentativa, pois cada erro de cálculo vai lhe causar problemas para ob­ter o resultado final. Da mesma forma, toda falha mo­ral causará problemas, provavelmente para os outros, cer­tamente para você. Ao falar de regras e obediência em vez de "ideais" e "idealismo", colaboramos muito para nos lembrar desse fato.
Vamos dar um passo além. Existem duas maneiras pelas quais a máquina humana pode quebrar. Uma delas é quando os indivíduos humanos se afastam uns dos outros ou colidem uns com os outros e prejudicam uns aos outros, traindo ou cometendo violência uns com os outros. A outra é quando as coisas vão mal dentro do próprio indivíduo — quando as diferentes partes que o compõem (suas faculdades, desejos etc.) dissociam-se ou conflitam umas com as outras. Pode-se fazer uma ima­gem clara do que estou falando se imaginarmos os se­res humanos como uma frota de navios que navega em formação. A viagem só será bem-sucedida se, em primei­ro lugar, os navios não se chocarem entre si e não en­trarem uns no caminho dos outros; e, em segundo lugar, se cada navio estiver em boas condições de navegação, com suas máquinas em ordem. Aliás, não dá para ter uma das coisas sem a outra. Se os navios se chocarem, a frota não ficará em boas condições por muito tempo. Por outro lado, se os lemes estiverem com defeito, será difícil evitar as colisões. Se você preferir, pense na hu­manidade como uma orquestra que toca uma música. Para se ter um bom resultado, duas coisas são necessá­rias: cada um dos instrumentos deve estar afinado e cada músico deve tocar no momento certo para que os ins­trumentos combinem entre si.
Há uma coisa, porém, que ainda não levamos em conta. Não nos perguntamos qual o destino da frota, ou qual a música que a banda pretende tocar. Mesmo que os instrumentos estivessem todos afinados e todos to­cassem no tempo correto, a execução não seria um su­cesso se os músicos, tendo sido contratados para tocar música dançante, tocassem somente marchas fúnebres. E, por melhor que fosse a navegação da frota, a viagem não seria um sucesso se, querendo chegar a Nova York, aportasse em Calcutá.
A moral, então, parece englobar três fatores. O pri­meiro é a conduta leal e a harmonia entre os indivíduos. O segundo pode ser chamado de organização ou harmo­nização das coisas dentro de cada indivíduo. O terceiro é o objetivo geral da vida humana como um todo: qual a razão de ser do homem, qual o destino da frota de navios, qual música o maestro quer que a banda toque.
Você já deve ter notado que o homem moderno qua­se sempre pensa no primeiro desses fatores, esquecen­do os outros dois. Quando as pessoas dizem nos jornais que estamos buscando um padrão moral cristão, quase sempre pensam na bondade e na justiça entre nações, classes e indivíduos; ou seja, referem-se apenas ao pri­meiro fator. Quando um homem, falando de um pro­jeto seu, diz que ele "não pode estar errado, pois não fará mal a ninguém", também está se referindo somente ao primeiro fator. No seu modo de pensar, não importa como o navio está por dentro, desde que não colida com a embarcação ao lado. E, quando começamos a pensar sobre a moral, é muito natural partirmos do primeiro fator, que são as relações sociais. Para começar, os resul­tados de uma moralidade deturpada nesta esfera são mui­to evidentes e nos afetam todos os dias: a guerra e a mi­séria, as jornadas desumanas de trabalho, as mentiras e todos os tipos de trabalho malfeito. Além disso, en­quanto ficamos circunscritos a esse primeiro fator, não há muito o que discutir sobre moralidade. Quase todos os povos de todos os tempos chegaram à conclusão (em tese) de que os seres humanos devem ser honestos, gentis e solícitos uns com os outros. Contudo, embora seja natural começar por aí, um pensamento moral que ficasse restrito a isso seria o mesmo que nada. Se não passarmos ao segundo fator - a organização interna de cada ser humano -, estaremos apenas nos enganando. De que vale dar instruções precisas de navegação aos barcos se eles não passam de embarcações velhas e enferrujadas, que não obedecem aos comandos? De que vale pôr no papel regras de conduta social se sabemos que, na verdade, nossa cobiça, covardia, destempero e vaidade vão nos impedir de cumpri-las? Não quero de maneira alguma dizer que não devemos pensar, e nos esforçar, para melhorar nosso sistema social e econômi­co. Quero apenas salientar que todo esse planejamento não passará de conversa fiada se não nos dermos conta de que só a coragem e o altruísmo dos indivíduos poderá fazer com que o sistema funcione de maneira apro­priada. Seria fácil eliminar os tipos particulares de fraude e tirania que subsistem em nosso sistema atual; mas, en­quanto os homens forem os mesmos trapaceiros e man­da-chuvas de sempre, encontrarão novas formas de se­guir jogando o mesmo jogo, mesmo num novo sistema. É impossível tornar o homem bom pela força da lei; e, sem homens bons, não pode haver uma boa sociedade. É por isso que temos de começar a pensar no segundo fator: a moral dentro de cada indivíduo.
Mas não penso que isso seja suficiente. Estamos che­gando a um ponto da questão em que diferentes cren­ças a respeito do universo produzem formas diferentes de conduta. A primeira vista, pode parecer bastante ra­zoável parar antes de entrar nessa questão, e só nos ocupar­mos das partes da moral que são de consenso entre as pessoas sensatas. Mas podemos nos dar a esse luxo? Lem­bre-se de que a religião envolve uma série de juízos sobre os fatos, juízos que podem ser verdadeiros ou falsos. Caso sejam verdadeiros, as conclusões deles tiradas conduzem a frota da raça humana por um determinado trajeto; caso contrário, o destino será completamente diferen­te. Voltemos, por exemplo, à pessoa que diz que uma coisa não pode estar errada se não faz mal a outros se­res humanos. Essa pessoa sabe muito bem que não deve danificar os outros navios do comboio; porém, pensa sinceramente que tudo o que fizer em seu próprio navio é da sua própria conta. Mas, para isso, não importa sa­ber se o navio é de sua propriedade ou não? Não im­porta saber se eu sou, por assim dizer, o senhorio do meu próprio corpo, ou se sou somente o seu inquilino, responsável perante o verdadeiro proprietário? Se fui fei­to por outra pessoa, por alguém que tem os seus pró­prios desígnios, o fato é que tenho uma série de obriga­ções em relação a essa pessoa, obrigações que não exis­tiriam se eu simplesmente pertencesse a mim mesmo. Além disso, o cristianismo assevera que todo indi­víduo humano viverá eternamente, o que pode ser ver­dadeiro ou falso. Há várias coisas com as quais eu não me preocuparia se fosse viver apenas setenta anos, mas que me preocupam seriamente com a perspectiva da vida eterna. Talvez minha irritabilidade ou meu ciúme fi­quem piores com o tempo - de forma tão gradual que a mudança seja imperceptível ao longo de sete décadas. No entanto, eles serão um verdadeiro inferno em um milhão de anos: aliás, se o cristianismo é verídico, "infer­no" é o termo técnico exato para designar como as coisas serão então. A imortalidade também traz à tona outra diferença que, inclusive, está ligada à diferença entre to­talitarismo e democracia. Se um homem não vive mais que setenta anos, um estado, uma nação ou uma civili­zação que pode durar mil anos são mais importantes do que ele. Porém, se o cristianismo é verdadeiro, o indi­víduo não é apenas mais importante, mas incompara­velmente mais importante, pois sua vida não tem fim; comparada à sua vida, a duração de um estado ou civi­lização não passa de um simples instante.
Parece-nos, portanto, que, para pensar a respeito da moral, temos de levar em conta os três departamentos: as relações entre os homens; as coisas que se passam no interior de cada ser humano; e as relações entre o ho­mem e o poder que o criou. Podemos todos cooperar no primeiro. Os desacordos começam com o segundo e se tornam mais sérios no terceiro. É no trato com o último que se evidenciam as principais diferenças entre cris­tãos e não-cristãos. No restante deste livro (postagens), assumirei o ponto de vista cristão e examinarei todo o cenário par­tindo do pressuposto da veracidade do cristianismo.

C.S.LEWIS

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